O colorismo em nós
Falamos dos racistas como indivíduos altamente ignorantes e perigosos. Eles, os racistas, deviam estar na cadeia, dizemos. No entanto, até que ponto estamos nós isentos de preconceitos baseados na cor da pele? Vamos falar de colorismo? (...) Precisamos urgentemente de mudar o nosso discurso, principalmente junto dos nossos. Não sejamos os agressores e não sejamos cúmplices.
No dia 21 de Março celebrámos o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Sabemos que o racismo - uma doutrina que sustenta a superioridade de uma raça em detrimento das outras (dicionário Aurélio) - não tem qualquer base científica e é, a todos os níveis, reprovável e criminoso. Segundo a Convenção Interamericana Contra o Racismo (Decreto n.º 10.932, de 10 de Janeiro de 2022), "todas as teorias, doutrinas, ideologias e conjuntos de ideias racistas são cientificamente falsas, moralmente censuráveis, socialmente injustas e contrárias aos princípios fundamentais dos Direitos Humanos".
Falamos dos racistas como indivíduos altamente ignorantes e perigosos. Eles, os racistas, deviam estar na cadeia, dizemos. No entanto, até que ponto estamos nós isentos de preconceitos baseados na cor da pele? Vamos falar de colorismo?
A primeira vez que me apercebi claramente da existência do conceito de colorismo foi ao ler A Cor Púrpura (1982), de Alice Walker. O livro falava de algo que, para mim, na altura em que o li (há mais de 30 anos), parecia novo: a ideia de que se podia discriminar pessoas pela cor dentro da mesma raça! No entanto, pensando bem, não era um conceito tão novo assim. Lembro- -me dos livros que li na infância, que falavam das meninas loiras, de pele muito branca, que habitavam as casas senhoriais, protegidas do sol e do trabalho duro pela riqueza e o nome da família, e das meninas trigueiras (da cor do trigo maduro), morenas, que trabalhavam nos campos, ao sol. A cor aparecia associada a status social. Mas também à beleza: desde sempre me recordo da referência às mulheres nórdicas, loiras de olhos azuis, como sendo os expoentes máximos de beleza. Entretanto, numa viagem a Cantão, na China, um produto - para mulheres chinesas - destacava-se na maioria das lojas: cremes e máscaras para aclarar a pele. Em Goa, na Índia, falando com várias mulheres, que vendiam fruta na praia, elas explicavam-me: "Os homens preferem as mulheres mais claras".
O colorismo parece atravessar todos os continentes, mas não sofremos todos do mesmo modo.
No meu livro "Somos nós a nossa saúde mental" (2022), explico que "o colorismo é a discriminação das pessoas pelo tom de pele: quando mais escuro for o tom de pele, maior a discriminação sofrida, maior o bullying, na família e na escola [e no local de trabalho, devo acrescentar], mais frequentes os abusos verbais e até físicos, mais acentuada a caracterização como sendo menos atraente ou menos inteligente" (pp. 117-118).
Numa breve sondagem sobre o tema, recebi alguns testemunhos que gostaria de partilhar a seguir.
Testemunho 1
Eu particularmente sofri na infância por ser mais escura. As pessoas não acreditavam que eu era filha da minha mãe. E me chamavam de feia. Na adolescência, rasguei as fotos de quando era criança, mas hoje me arrependo. Já não tenho fotos de quando tinha um aninho, dois. Quando viesse um familiar ou qualquer visita, eu preferia esconder-me. Eu era apenas uma criança. Não escolhi nascer com um tom mais escuro.
Testemunho 2
Na minha família tenho este problema. Sou filha de pai branco e mãe negra (sou mulata), casei com um marido negro, os meus filhos saíram todos do tom de pele do pai. Vezes sem conta escutei frases como: "Não tens bom ventre". Quando levei o meu esposo para apresentar à família, os meus irmãos disseram que eu sou tão burra porque fui buscar um negro para atrasar a raça. Uma vez, a minha irmã mais velha foi a minha casa e encontrou o meu bebé a dormir. Ela observou atentamente o bebé e disse: "Esse bebé é tão escuro que até dá pena".
Testemunho 2
Eu sou muito escuro. Quando eu era pequeno, a minha mãe dizia que eu era feio e escuro como o meu pai, que nos abandonou. Mais tarde, o meu pai entrou em contacto e disse que ia pagar a minha faculdade, só que nunca pagou, só pagou um mês. Não gosto de ligar ao meu pai, mas sou obrigado. Ele insulta-me sempre. Não tenho amigos. Não tenho coragem de falar com os colegas.
Testemunho 4
Sofri discriminação desde pequenina. Diziam que a minha cor era bonita, mas que o meu cabelo era ruim. Até hoje sinto que tenho de esticar sempre o cabelo. Não aceito o meu cabelo natural. Até hoje, já adulta, fazem bullying por causa do meu cabelo.
Testemunho 5
Infelizmente, a maioria das pessoas continua com um pensamento primitivo, em que o tom da pele define o tratamento que uma pessoa merece, a posição que devia ocupar, a possibilidade de perigo que esta pessoa apresenta, e até se a consideramos "bela". Observo muito o colorismo, penso que é nítido na nossa realidade, as pessoas vão preferir andar com pessoas mais claras, e as pessoas escuras devem fazer um esforço maior para estar em igualdade às claras, parece que devem ter um ponto extra (ser inteligente, bem- -vestido, rico, "cabelo bonito", etc.). Acho desnecessário e só diminui a autoestima de quem é afectado. Já ouvi na minha família falas como "a fulana é a minha irmã escura" (uma prima minha disse isso), ou mesmo brincadeiras (de mau gosto) como: "O bebé gostou da fulana porque é mais clara que a outra". Não sei quando é que este pensamento acaba...
Leia o artigo integral na edição 819 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)